E o dia para isso chegou, Porto Alegre, 23 de maio de 2010. Prova mãe do atletismo e o maior desafio de minha curta carreira de atleta amador. E na impossibilidade de compartilhar esse momento especial na companhia da família, nada melhor do que estar cercado de amigos.
Encontro com os amigos da equipe Baleias, Silvio e Monteiro (the Rock), descaracterizados e tristes por não envargarem o manto coral (auditaremos os Correios pela falha na entrega do Sedex). Pergunto pelo quarto elemento da equipe (Tinil) para deixarmos registrado uma foto. Saímos em busca do atleta veloz, o Baleia de elite, e desconfiava que estivesse alinhado ao pelotão dos feras, pois não o encontramos e conseguimos perder Silvio e Monteiro de vista, de modo que a foto da equipe, nem por montagem foi concretizada.
Na fila do guarda-volume, Guilherme faz uma surpresa aos cariocas, mostrando que veio a Maratona vestido a caráter, como um autêntico sofredor e chorão de primeira linha. A julgar pelos trajes, já sabia que seria barbada e que o amigo perderia para mim por estar com um manto tão pesado e sofrido.
Alinhados para largar, encontramos o mestre e Guru Ivo Cantor, em foto de autoria de sua esposa Marly.
Guilherme, eu, Lucélio, Namiuit e Ivo
Dada a largada, saímos na companhia dos amigos Namiuti e Guilherme, tentando repetir a edição do Paredon por ocasião dos 25k da maratona de SP em 2009, onde escoltamos o amigo Namiuti em sua maratona até aquela distância. O tempo estava indeciso, mas bem agradável para correr. Minha estratégia era dividir a prova em 3 trechos de 14km. No primeiro tentaria uma média de 6min/km, no segundo trecho 6,30 e no último, tentar chegar vivo.
Consegui ficar focado a prova inteira, os quilômetros passavam rápidos que nem percebia. Já pelo quilômetro sete, Guilherme nos abandona e segue em pace menos conservador, literalmente sobrando. A hidratação perfeita e conforme anunciada pela organização nos deixou tranquilo para a estratégia previamente estabelecida.
Passamos no km 10 um pouco acima de 1h de prova, o que deu confiança para continuar como planejado. No km 12 avistamos Paulo Picanha, do Recife, que estava num pace semelhante, e que serviria de coelho para os próximos quilômetros. No quilômetro 13 um imprevisto com o Namiuti o fez reduzir o passo, e perdemos o coelho de vista. No 14 recebo a má notícia que deveria seguir sozinho, pois ele iria reduzir em virtude de problemas na virilha. Aumento o ritmo em busca do coelho fujão, e uma perseguição implacável se dá do km 15 em diante. Picanha, ao observar meu apetite por carne de primeira, fica visivelmente preocupado por perder para um calouro. Passo, sou ultrapassado, passo novamente e no quilômetro 17, ele pára no posto de isotônico e quase não deixa copinhos para os demais corredores, estava sentindo o drama. Eu que não nasci ontem, prefiro ficar atrás na perseguição a ficar na frente e ter que ficar olhando para trás preocupado. Deixei o amigo passar novamente, para ganhar uma moral, e fiquei administrando a distância.
Na passagem da meia, Picanha entrega os pontos e diz que estava brabo continuar. Esse já estava no papo então. Olho para o outro lado da pista, vejo o colega de equipe Monteiro, visivelmente abalado e sendo escoltado por uma corredora. Seria ele o próximo coelho a ser perseguido. Não consegui emparelhar com ele, acredito que tenha desistido por ali, por seu nome não constar entre os concluintes. Monteirão, dá notícias ai pra gente do que houve, e como está passando.
O próximo coelho que apareceu foi o Hideaki, esse dispensa apresentação. Tinha ordens expressas do CBO para vencê-lo, o que achei muito ousado da parte do Miguel, mas não custava nada, e tivemos uma boa disputa do km 23 ao 32. Eu vinha na toada, o passava, e ele disparava em minha frente para em seguida caminhar até me aproximar novamente, passá-lo e ser por ele ultrapassado. Nesse trecho Hideaki treinava fartlek em plena maratona. Eu subia o Guaíba, e já voltavam monstros como Tinil, Júlio e Silvio. Saudei todos com sorriso na face. A disputa com Hideaki continuava, mas todos conhecem sua técnica a partir do km 33, é implacável e matador. A partir dali, o Japa sumiu do campo de visão e seguiu para o triunfo (foi por pouco Miguel, apenas 9 minutos).
O muro não chegou nos trinta. Mas no km 33 tive outra alegria. Vejo um careca, com blusa do botafogo caminhando...não é do meu feitio chutar cachorro morto. Comecei a cantar "ninguém cala, esse xororôooo". Guilherme se animou, e convidei para vir trotando comigo, pois naquela área da prova, era arriscado vir acima de 6:30 por km, pois ainda tinha encrenca pela frente. Vento contra, subidinhas e um muro ou urso a qualquer momento. Viemos juntos, no 35 Guilherme me deixa para trás, mas logo em seguida volta a caminhar...levanta a bandeira branca e entrega os pontos (na próxima, troca a camisa amigo, venha com a do América, que é amado por todos). Nesse pequeno trecho que ficamos juntos, nunca vi tanto amor e ódio ao fogão. Acho que o Guilherme nunca recebeu tantos elogios e impropérios em uma prova.
Do 37 em diante, são os cinco quilômetros mais distantes que existem. Para piorar, faltou isotônico no posto, mas tinha gelo. Sol pegando fogo, não tive dúvidas, lembrei do xará que colocou gelo no boné e fiz o mesmo para resfriar o radiador. No km 40 o último posto de hidratação, e agora erá só administrar. Ir junto com todos que estavam por ali. Torcia para aparecer alguém conhecido e me rebocar, mas nada, era vitória solitária mesmo.
Daria para tentar buscar um sub 4:30 pois passei no km 40 com 4:18 mas não valeria a pena. Preferi continuar um pouco acima dos 7min por km e chegar inteiro e sorrindo. Ainda consegui forças para um sprint final, ultrapassando todos que estavam na frente e chegando sozinho, com 4h32min de prova.
Chorei, agradeci a Deus, pensei muito em minha esposa e filha (dedico isso a vocês) e fui buscar o medalhão.
Organização impecável, parabéns a Corpa pela excelente prova.
Como um feito desse pode ser sorte de iniciante e nunca mais se repetir, deixo aqui registrado a vitória sobre Namiuti, Guilherme Maio e Paulo Picanha. E Parabenizo Hideaki pela vitória.
Gostei desse negócio de maratona e daqui a menos de dois meses estamos na Maratona do RJ, dessa vez o objetivo é vencer Miguel Delgado.
Até lá.